DEIXARAM-NOS PARTIR
Outrora, em Antioquia da Síria, cristãos leigos, abertos à voz do Espírito Santo constituíram-se em comunidade e depressa receberam Barnabé, um outro recém-convertido que, indiferente aos Planos Pastorais de então, faz o inesperado: foi a Tarso, chamar Saulo, a fim de ambos se entregarem à evangelização. Com o trabalho de ambos, e na fidelidade ao Espírito, surgiu em Antioquia da Síria uma comunidade cristã viva, com grande fervor nas obras da fé e caridade, extremamente generosa não apenas para com os seus pobres e os de longe, necessitados materialmente, mas também nos missionários que dela puderam partir, a fim de que o Evangelho rapidamente fosse anunciado e acolhido pelas populações de outras terras.
Com base no Livro dos Actos dos Apóstolos, facilmente podemos concluir quanto à vivacidade da comunidade cristã de Antioquia que bem depressa parece ter superado a Igreja mãe de Jerusalém. Na sua estrutura, a diversidade de ministérios; na sua vida, a espiritualidade, a oração, o jejum e a celebração da Eucaristia; na comunhão de vida, o amor fraterno concretizado na caridade surpreendente para com todos, incluindo os de fora, mormente para com a comunidade de Jerusalém, aquando de uma situação de crise e fome.
Acima de tudo, sendo digna de admiração nestes aspectos, no que respeita à consciência missionária não necessitou que lhe dessem lições. Por isso, um dia, “estando eles a celebrar o culto e a jejuar disse-lhes o Espírito Santo: «Separai Barnabé e Saulo para o trabalho a que Eu os chamei». Então, depois de terem jejuado e rezado, impuseram-lhes as mãos e deixaram-nos partir”.
Estes gestos são impossíveis enquanto não se assume a consciência de que a fé, enquanto dom recebido, deve frutificar na doação ou transmissão aos irmãos. O Espírito Santo, tendo provocado a formação, a conversão e o crescimento desta comunidade cristã, orientou também, de forma surpreendente, a sua obra evangelizadora noutras terras. A disponibilidade para partir, por parte de Barnabé e Paulo, foi aceite e confirmada pela comunidade que por eles reza, jejua e os envia. Certamente, tendo passado apenas um ano, tinham muitas razões para estar satisfeitos com a presença, no seu seio, destes dois grandes Apóstolos. Agora, na fidelidade ao Espírito, resistiram à tentação de que os Apóstolos com eles permanecessem para sempre e, eventualmente, ali viessem a ser sepultados. Por isso, encontraram razões mais fortes para os verem partir, sem que tal constituísse um drama mas antes a revelação da maturidade na fé e, desta forma, com os olhos do coração no Senhor Jesus, a itinerância evangélica foi testemunhada.
Afinal, o mensageiro não é pertença da comunidade, nem a comunidade pertença do mensageiro mas antes todos pertencemos a Cristo que, pelo Seu Espírito, chama, confirma, congrega, dispõe e, no seu infinito querer e liberdade, envia em missão para outras terras ou lugares, ao mesmo tempo que providencia quanto ao futuro da comunidade cristã em que nos inserimos.
António Novais Pereira