A morte, apesar de ser a realidade humana mais certa, surge sempre como uma surpresa. Sabia que, de há muito, a saúde do meu amigo Monge estava bastante fragilizada. Contudo, não esperava pela notícia da sua morte, que me foi dada por um amigo comum. Nem eu nem ninguém. Partiu, inesperadamente, sem nos ter dado a possibilidade de lhe dizermos: até logo, Monge!
Quem o socorreu foi uma das equipas de apoio ao domicílio da sua Cáritas Diocesana de Beja. Não foi um mero acaso. Tinha de ser assim: Com a ajuda de dedicados colaboradores e a confiança de D. Manuel Falcão e de D. António Vitalino, ele tinha erguido o serviço de higiene pessoal e da casa, bem como o fornecimento de refeições na residência das pessoas com debilidades sociais e/ou económicas. Foram, precisamente, algumas das pessoas que agora prestam este serviço que o ergueram do chão onde o encontraram prostrado.
Mas não foi só este rasto de bem-fazer que Manuel Monge deixou; muitos outros que se tornaram visíveis e outros que levou no segredo do seu coração. Estou a pensar no cuidado que colocava no acolhimento a pessoas que procuravam a Cáritas por falta de meios para subsistirem com o mínimo de dignidade. Criou um serviço de atendimento social de proximidade com muita qualidade e eficaz, tanto quanto as circunstâncias o permitiam, nas respostas aos problemas apresentados. Procurou ter sempre uma atenção mais especial aos “últimos dos últimos”. Por isso, muitas vezes o ouvi falar das suas preocupações com a promoção comunitária do Bairro de Nossa Senhora da Esperança, onde a Cáritas tinha uma ação muito intensa. Era também com esperança na recuperação do ser humano por muito profundo que fosse o seu estado de degradação que colocava todos os seus empreendimentos sociais e espirituais. A este propósito recordo o nascimento da “Horta Nova”. Sou testemunha do seu entusiasmo e das lutas que teve de travar para conseguir criar a Comunidade terapêutica destinada a pessoas dominadas por aditivos de qualquer tipo. Passava lá tanto tempo que muitas vezes lhe cheguei a perguntar se a sede da Cáritas Diocesana tinha sido transferida para lá. Muito suor e grande pedaço da sua vida despendeu nesta resposta social. Tudo isto sem esquecer a criação e animação de grupos paroquiais de ação caritativa, pois sabia que era na paróquia que estava a eficácia e eficiência do cuidado aos pobres.
Sempre apreciei em Manuel Monge o seu sentido de lealdade. Fui beneficiário desse seu nobre sentimento não só como seu colega, mas também enquanto colaborador da Cáritas Diocesana de Setúbal, partilhando experiências e realizando visitas mútuas. Esta relação manteve-se quando partilhámos as mesmas tarefas na última da Direções da Cáritas Portuguesa, presidida por esse sublime ser humano, o Dr. Acácio Catarino, que sei ter pelo Monge (a morte não destrói sinceros sentimentos afetivos) um apreço muito grande. Quando fui convidado para ser eu a receber o testemunho do cargo exercido pelo Dr. Acácio, tive nele um disponível cooperante sem receios de se sentir ensombrado pela minha nova missão. Também não deveria ter sido por coincidência que tomei posse no dia da celebração do seu aniversário natalício. Já lá vão 19 anos. Sempre foi um amigo.
Nos últimos anos, não contactámos tanto, por opção dele. A saída da Cáritas alterou a sua vida, tal era o amor que lhe tinha e a quantidade de tempo que preenchia a sua vida. Mas tudo o que é terreno, tem um princípio e um fim e neste tipo de funções há que saber sair. Ao deixar a sua missão optou por se ocupar com o cultivo do pedacinho de terra que, entretanto, tinha adquirido. Talvez isso tivesse estado na origem do seu isolamento. Mas esta sua escolha em nada diminuiu o apreço dos que éramos seus amigos.
Tinha imperfeições? Quem não as tem? Prefiro deixar a Deus a missão de as julgar, pois só Ele o sabe fazer com justiça, porque sempre rico de infinita misericórdia.
Manuel Monge foi um homem de Cáritas, ou seja, impregnado de amor pelos outros. Também foi da Cáritas. Pelo tanto a que a ela deu era sua pertença e assim continuará, agora com responsabilidades acrescidas que são as de interceder por esta instituição da Igreja junto de Deus.
Amigo, não te esqueças de mim. Bem sabes como preciso. Como não tive oportunidade de te dizer de viva voz, faço-o por este meio: até logo, Monge!
Eugénio Fonseca