“Sermão do Encontro”
“Eis O HOMEM”! Foi com estas palavras que Pilatos, quando trouxe Jesus para o Pátio do Pretório, O mostrou à multidão. Vinha coroado de espinhos, tinha sido flagelado, estava revestido com um manto escarlate, que os soldados lhe tinham colocado aos ombros para o escarnecer. Pilatos, que o tinha interrogado e nenhum crime tinha encontrado n’Ele, pensava que, mostrando-o assim, flagelado, coroado de espinhos e desprezado, a multidão se compadecesse. Pelo contrário, aquela multidão, manipulada pelos Corifeus da perseguição a Jesus, gritou com força: “Crucifica-O! Crucifica-O!”
Pilatos era quem mandava em Jerusalém mas era cobarde. Veio dizer que não encontrava crime nenhum naquele homem mas cedeu à pressão daquela multidão furiosa. Talvez muitos daqueles o tivessem aclamado quando Jesus fazia milagres, quando os saciou com os pães, quando pregava, quando estava no meio deles. Hoje estava tudo ao contrário, pediram a Sua crucifixão. Esse Jesus, quem era Ele? Jesus de Nazaré: Aquele que veio para salvar, não para condenar, para perdoar, para absolver, para curar os doentes, para salvar os oprimidos, aquele que trouxe ao mundo a nova lei do amor, de perdão, de misericórdia. Tantas vezes tinha sido aclamado pelos que gostavam de O ouvir, porque nunca ninguém tinha falado como Ele. Ele falava palavras de vida eterna, palavras de amor e de compreensão. E hoje? Hoje todos queriam condená-lo e até os seus próprios discípulos tinham desaparecido. Ele, com todo o Seu poder, permanecia calado, nada dizia, sofria tudo em silêncio. Mas, antes de O prenderem, Jesus mostrou que era Filho de Deus, que tinha poder. Perguntou-lhes: “A quem buscais” Eles disseram; “A Jesus Nazareno”. “Sou Eu”. Todos caíram por terra.
Jesus mostrou quem Ele era. Podia ter-Se libertado daqueles que vinham para o prender, induzidos por Judas, o traidor, que era um dos Seus discípulos mas deixou-se prender. Em muitas outras ocasiões O quiseram prender mas Jesus nunca deixou porque, dizia Ele,”ainda não chegou a Minha Hora”. Mas, naquela noite, já tinha chegado a “Sua Hora”, a Hora de se entregar nas mãos do Pai para redimir a humanidade, para se entregar voluntariamente, como Ele dissera: “A vida, a Mim, ninguém a tira, sou Eu que a dou voluntariamente”. Foi Ele que se entregou voluntariamente nas mãos de Pilatos, nas mãos dos carrascos e que aceitou a condenação ao suplício da cruz. Por isso, carregou a Sua cruz às costas, do Pretório até ao Calvário.
Foi o que nós hoje, nesta tarde, meus irmãos, estivemos aqui a evocar: a condenação de Jesus por Pilatos e a sua caminhada dolorosa para o Calvário. O inocente, carrega na Sua cruz todos os pecados da humanidade, os meus pecados, os teus pecados. Vai silenciosamente a caminho do calvário. Aí, encontra algumas pessoas que se compadecem d’Ele, que até o ajudam: Simão de Cirene, que o ajudou a levar a cruz; Verónica, a mulher corajosa, que saiu do meio da multidão e veio limpar aquele rosto chagado; as mulheres de Jerusalém que choravam e a quem Jesus disse: “não choreis por mim, chorai antes por vós e por vossos filhos”.
Ó meus irmãos: Não se trata apenas de nos compadecermos, é preciso reconhecer as nossas faltas, não chorar por aquele que é inocente mas chorar por nós, isto é, transformarmos a nossa vida e pormo-nos também a caminho como Jesus o fez, por nosso amor. E nós hoje encenamos aqui, nestas ruas, fizemos uma evocação, estamos a fazê-la, como foi aquela caminhada pelas ruas sinuosas daquela cidade de Jerusalém no tempo de Jesus, ou hoje em Beja. Mas não se trata apenas de uma invocação. É também uma realidade. Essa cruz que Jesus leva às costas é simbólica mas há uma realidade que ela representa: os pecados, as maldades, as injúrias, as injustiças, as infidelidades, os sofrimentos de toda a humanidade. Não é só representação, é realidade. Cada um de nós, se quiser ser sincero, pode interrogar-se nesta tarde e pensar: qual é o lugar que eu ocupo nesta caminhada para o Calvário, com quem é que eu me identifico? Com aqueles que condenaram Jesus, com os que o desprezaram, aqueles que o desprezaram, o maltrataram ou com aqueles que o ajudaram? E nós não estávamos lá em Jerusalém. Mas Jesus não é um morto. Jesus está vivo, Ressuscitou. Por isso eu digo: Não estamos apenas a invocar o que aconteceu em Jerusalém, Estamos a viver uma realidade, porque este Jesus que morreu no calvário também Ressuscitou e disse: “O que fizerdes aos outros é a Mim que o fazeis e tende a certeza que Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos”.
Verónica limpou o rosto de Jesus e hoje também existem muitas Verónicas que limpam o rosto chagado dos doentes, das crianças, dos deficientes, dos abandonados, dos moribundos e dos caídos à beira da estrada. É Jesus que está ali. Simão ajudou Jesus a levar a cruz e hoje também existem Cireneus que ajudam seus irmãos a sair das dificuldades em que se encontram, que colaboram, que ajudam, que estando em frente da televisão e ouvindo as notícias, não ficam apenas como as mulheres de Jerusalém a lamentar-se e a dizer: “Que grande desgraça aconteceu!” É verdade! Que faço eu para ajudar a mitigar essa desgraça que aconteceu? Em Moçambique, na Síria, em Portugal e em tantos outros sítios, na cidade de Beja e em muitas outras localidades, há gente que precisa, muitos Cristos que sofrem. Como diz S. Paulo, a Paixão de Cristo ainda não acabou. A Paixão de Cristo continua. Onde houver um homem, uma mulher, um jovem, uma criança que sofre aí continua a Paixão de Cristo. E quem vai ajudar, vai em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.
É isto, irmãos que nós, esta tarde, ao invocarmos Jerusalém, estamos também a tentar viver na nossa vida, e a interrogarmo-nos na Paixão de Cristo, nesta Paixão actual de Cristo, isto é, nos sofrimentos da humanidade. Aqui, à minha volta, qual é a minha atitude, qual é o meu lugar? De mera contemplação, passiva, sem nada fazer, de ajuda ou de alguém que está bem perto de Jesus como estava Sua Mãe, Maria, Aquela que o viu a caminhar para o Calvário e que não o abandonou como os seus discípulos, que também o abandonaram? Estava lá, junto à cruz, ali, a mulher forte, de pé, com a alma sofredora, junto de Seu Filho, com a alma trespassada e ouviu aquelas palavras maravilhosas de Jesus: “Mulher, eis aí o teu filho, eu morro mas tu tens muitos filhos, protege-os, ampara-os, socorre-os que eles necessitam do teu auxílio, da tua protecção”. Voltando-se para João, disse-lhe: “Ela é a tua mãe. A nossa Mãe, a Mãe de Jesus que está sempre ao nosso lado”.
A nossa atitude, irmãos, neste drama da Paixão do Senhor Jesus há-de ser ao lado de Maria. Com ela, por ela, pedindo que nos dê este coração misericordioso e bom, que nos dê olhos capazes de ver o que se passa à nossa volta, nos dê um coração capaz de se compadecer, nos dê generosidade e mãos capazes de limpar as chagas da humanidade, dos rostos que estão à nossa volta e nos fazer caminhar com esta esperança de que, vivendo na terra a Paixão do Senhor nós poderemos também participar um dia na glória da Sua Ressurreição.
Vamos continuar a nossa Procissão, vamos continuá-la com este sentimento, pedindo ao Senhor: “Senhor ajuda-me a eu inserir-me também na paixão, a eu aceitar os sofrimentos que batem à minha porta, a uni-los aos teus, a tornar-me contigo, por intermédio de Maria, alguém que ajuda a que este mundo seja melhor, nos levante o espírito para Deus e afaste de nós as trevas do pecado e do mal”. Ámen!
Procissão dos Passos na Cidade de Beja, 07/04/2019
D. José Alves, Arcebispo Emérito de Évora