A força de um ínfimo microrganismo, chamado Coronavírus, COVID – 19, e os acontecimentos que estamos a viver, a nível mundial, imbuídos de incontáveis sofrimentos e outras nefastas consequências, suscitam as mais variadas reacções.
Como crente, e recusando qualquer atitude perante uma espécie de tragédia grega, como se tivéssemos que aguentar, sem nada poder fazer, perante uma fatalidade, opto por fortalecer a minha confiança em Deus que, como “Bom Pai”, não se afasta e bem sabe aquilo de que precisam os seus filhos.
Enquanto muitos reagem e perguntam “onde está Deus”, escuto a resposta de Deus, devolvendo a pergunta; E tu, (Adão) meu filho, onde estás? O que fizeste?
Face a tanto mal e sofrimento, uma tentação fácil será a de encontrar culpados e, por isso, em vez de se dizer que “sem o saber, contagiei o meu irmão”, é compreensível a justificação de que “fui contagiado”. Na verdade, normalmente, não se sabe quem infectou e a quem se infecta.
Face aos “eventuais culpados” e a tentação de os condenarmos, a correcção do “Divino Mestre” a todos quantos pensam que as doenças ou os desastres são necessariamente um castigo dos pecados ou más opções dos atingidos por desgraças: “Julgais que esses galileus eram mais pecadores que todos os outros galileus”, por terem sido mortos à ordem de Pilatos? “Digo-vos que não; mas, se não vos arrependerdes, perecereis todos igualmente. E aqueles dezoito sobre os quais caiu a torre de Siloé, e os matou, eram mais culpados que todos os outros habitantes de Jerusalém? Não, Eu vo-lo digo; mas, se não vos arrependerdes, perecereis todos do mesmo modo”. (Cf. Lc. 13, 1-5)
Rumo ao Futuro
A advertência de Jesus, outrora aos galileus, vale também para a humanidade de hoje. Na verdade, depois de termos encontrado um pouco mais de paz e podermos regressar progressivamente à normalidade, para além do reconhecimento humilde do que esteve menos bem perante este “inimigo desconhecido”, será necessária uma verdadeira conversão para que, no futuro, não nos aconteçam males semelhantes ou ainda piores. Há lições do passado e do presente que nunca poderemos esquecer, como forma de estarmos melhor preparados para os desafios futuros. A verdadeira conversão exige humidade e coragem, imbuídas da memória da história que não se apaga.
O Dia do Senhor
Ao celebrar o V Domingo da Quaresma (Ano A), o desabafo ou censura de Marta perante a ausência de Jesus, aquando da morte do Seu amigo Lázaro: “Senhor, se aqui estivesses meu irmão não teria morrido (Jo 11,21.32)!
Tantas revoltas e protestos, mais ou menos silenciosos, perante o sofrimento e as terríveis consequências desta pandemia da Covid-19: “Senhor, se estivesses connosco, nada disto aconteceria”.
Marta e Maria, conhecendo a profunda amizade de Jesus, sabiam como as suas vidas se transformaram pelo facto de terem hospedado familiarmente a Jesus em sua casa, ocasião para o escutar repetidas vezes e demoradamente. Por isso, apesar da morte do irmão, Lázaro, já ter acontecido quatro dias antes, Jesus continuou a ser o seu refúgio e esperança.
Como Lázaro, os amigos de Jesus também sofrem, ficam doentes e morrem.
Apesar de tudo, acreditamos que a morte não é uma fatalidade. Com Jesus é possível reverter a situação, mas para alcançar a vida nova da Ressurreição, numa vida que não acaba.
Este Jesus que se comoveu e chorou perante o túmulo do Seu amigo Lázaro, é o Jesus que sofre e morre connosco ao mesmo tempo que garante a nossa esperança: “Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem vive e crê em mim nunca mais morrerá” (Jo 11, 24-25).
Vamos viver a Páscoa
Muitos já dizem que, este ano, não haverá Páscoa e, isto não é verdade!
Mesmo sem as viagens e as férias da Páscoa, com as Igrejas encerradas ao culto comunitário e a leitura assustadora dos números das vítimas (pessoas infectadas e mortes), para as estatísticas, temos o dever de viver e celebrar a Páscoa dos Cristãos, em família e/ou pessoalmente, nós que acreditamos que nenhuma vida se perderá e que todos serão reintroduzidos no Reino da Vida.
Neste Domingo, a mensagem da morte e Ressurreição, aponta-nos algo de belo e maravilhoso que devemos esperar porque, ao mesmo tempo que choramos a morte, a vida está a brotar como obra do próprio Deus.
Não vemos que a Ressurreição está a acontecer?! Os vizinhos que viviam indiferentes ou se desconheciam, à hora marcada, das janelas ou terraços, consciente ou inconscientemente, cantam a certeza de que a vida pode ser diferente; um padre italiano cedeu o seu ventilador e morreu para salvar uma vida mais jovem; médicos, enfermeiros, trabalhadores de supermercados, pessoal de limpeza, transportadores, forças de segurança, colaboradores de Lares; generosidade dos voluntários, que arriscam a vida, diminuição da poluição; reorganizar da vida, de modo diferente, etc.
Na certeza de que haverá Páscoa, termino com um belo Hino da Oração Oficial da Igreja, próprio deste tempo litúrgico (Vésperas ):
Crescem nas asperezas do caminho
Crescem nas asperezas do caminho
Pequenas flores brancas de esperança;
Não podem os espinhos afogá-las,
Pois foi o amor quem as chamou à vida.
À semente do bem e da verdade
Mistura-se a cizânia do inimigo.
Estende-nos, Senhor, a tua mão,
Salva do mal os corações feridos.
O mundo inteiro pede a Deus justiça
Do fundo abismo de ódio e desespero;
E ouvimos Raquel, inconsolável,
Chorar os sonhos mortos de seus filhos.
Quando virá o luminoso dia
Em que, livres da morte e do pecado,
Cantemos a alegria que nos trouxe
A força do teu braço levantado?
Escuta a nossa voz, Trindade santa,
E faz que a penitência quaresmal
Confirme a nossa fé e nos conduza
Ao encontro de Cristo glorioso.
Beja, 28 de março de 2020
Pe, António Novais