HOMILIA NA SOLENIDADE DE S. SISENANDO

D. João Marcos, Bispo de Beja

Beja, 24 de outubro de 2019

 

 

Se o grão de trigo que cai na terra não morrer permanecerá só; mas se morrer produzirá muito fruto. Quem ama a sua vida perde-a, e quem odeia a sua vida neste mundo guardá-la-á para a vida eterna (Jo 12,24-25).

Senhor Vigário Geral, Senhores Cónegos, queridos Padres e Diáconos, Seminaristas, Religiosos e Religiosas, todos vós fiéis leigos de Beja aqui presentes:

 

1 – Acabámos de ouvir estas palavras do Senhor, que o evangelista João nos transmitiu e que terão sido ditas em Jerusalém, no contexto da Sua entrada triunfal, quando uns gregos se aproximaram e queriam ver Jesus. Estas palavras dificilmente entram nos nossos esquemas de vida. Mas para nós, discípulos de Cristo, elas são necessariamente a norma básica da nossa existência. Onde está o triunfo e o sucesso de Jesus? Em ser crucificado e morrer, como o grão de trigo lançado à terra. A cruz é para o Senhor o trono em que é elevado, em que é levantado e manifestado aos homens sobre a terra. E, por isso, nesse instrumento de tortura e morte ignominiosa, resplandece a glória da ressurreição. Queres ver Jesus? Neste mundo, é contemplando-O crucificado, entregando o Seu Espírito nas mãos do Pai e dando-nos a Sua vida, que melhor O podes conhecer. De facto, a visão de Jesus Cristo que a fé nos dá, é iluminada sempre pelo mistério da Cruz.

2 - A nossa diocese de Beja está vivendo agora um momento de grande tristeza com a supressão do Mosteiro Carmelita Feminino do Sagrado Coração de Jesus. É verdadeiramente um momento de morte, não só para as irmãs que têm de abandonar esta casa e de ir para outros mosteiros, mas também para a diocese. Um mosteiro de vida contemplativa é como um pulmão que recebe e que expande o sopro do Espírito Santo. A missão principal de uma comunidade orante que vive na presença de Deus consiste em dar testemunho concreto dessa presença a todos, sobretudo àqueles e àquelas que n’Ele creem, mas que, estando no mundo, não podem viver o seu dia a dia mergulhados n’Ele. Desde que esta notícia foi lançada aos quatro ventos, muitos me têm manifestado a sua dor e alguns também a sua indignação pela supressão do Mosteiro de Beja. Compreendo essas manifestações. E não escondo que também eu sofro por ter sido designado para executar o decreto da Congregação dos Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, como bispo diocesano que sou.

No entanto, esta palavra do Senhor que ouvimos há momentos, a norma básica da nossa vida de filhos de Deus, diz-nos que a morte e a vida dialogam, e que o verdadeiro cristão leva sempre no seu corpo o morrer de Jesus, para que a vida de Jesus nele se manifeste também. No Batismo fomos sepultados com Cristo e com Ele ressuscitados, para vivermos com Ele uma vida nova. Assim, convido-vos, irmãos e irmãs, a que vivamos este acontecimento unidos a Cristo crucificado, morto e sepultado, acreditando que a manhã da ressurreição nos iluminará com a Sua glória.

Aproveito para agradecer publicamente a estas irmãs carmelitas a sua presença orante no meio de nós, ao longo de 65 anos. Peço-lhes perdão pelas ofensas que eventualmente tenham recebido da parte de algum padre ou diácono desta diocese, durante a sua permanência em Beja. E tenho a certeza de que o nome de Beja irá gravado em seus corações, assim como o seu fica gravado na vida de muitas pessoas por quem rezaram e no coração de todos aqueles que as ajudaram e se tornaram amigos deste Mosteiro. Tenho presentes, por exemplo, os irmãos da Ordem Terceira do Carmo de Beja.

3 – Se alguém quer servir-Me, siga-Me; e onde Eu estou aí também estará o meu servo. Se alguém Me serve, meu Pai o honrará (Jo 12,26).

Neste dia de S. Sisenando, diácono mártir e padroeiro da nossa cidade, estas palavras do Senhor mostram que a vida cristã é uma diaconia, é um seguimento de Cristo diácono. O que é ser diácono? Olhemos para Cristo que não vive para si mesmo, mas sempre se põe ao serviço dos irmãos, na obediência à vontade do Pai e para louvor da Sua glória. Nele vemos o contrário da vida dos pagãos, em que todos e cada um procura alguém que o sirva. Quem é o meu próximo? Pergunta-lhe aquele doutor da Lei. Quem se fez próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes? Perguntou-lhe Jesus, depois de ter contado a parábola do bom samaritano (cf. Lc 10,29-36). Podemos ver Cristo como diácono ao longo de toda a sua vida, anunciando o Evangelho e carregando com as doenças e os sofrimentos daqueles que curava. Mas é na Ceia, cingido com a toalha e lavando os pés aos discípulos, que Ele, o Mestre e Senhor, se apresenta como servo e nos convida a imitá-l’O. E é na cruz, ligando o céu e a terra, oferecendo-Se ao Pai por todos nós, que Ele realiza plenamente o Seu ministério, a diaconia, que abre no mundo espaço para a vida nova dos filhos de Deus. Ser diácono, queridos diáconos e presbíteros, é buscar em Cristo a fonte do Espírito Santo, esse Espírito que dá testemunho ao nosso espírito de que somos filhos e amigos de Deus. Ser diácono é contemplar Cristo e imitá-l’O, servindo os irmãos com amor.

Quanto ganha um diácono? Nada e tudo. Nada, se se refere a dinheiro, a honras, a poder, àquilo que os ministros laicos, ou seja, os ministros do Governo da Nação, dizem ser atributo seu. Tudo, quer dizer, a Vida Eterna, se o serviço é feito por amor a Cristo e aos irmãos. Tudo, se, depois de termos feito tudo aquilo que nos foi mandado, dissermos “sou um servo inútil”. Inútil? Sim, porque não é a utilidade do que faço que me move a agir, mas o amor. Queridos padres e diáconos, são para vós, são para todos nós, estas palavras. Sem a diaconia que é o alicerce do edifício do sacerdócio ministerial, o nosso ministério sacerdotal não tem solidez, não é fecundo. O diácono S. Sisenando, colocado à nossa frente como padroeiro e modelo, sempre nos lembrará estas verdades. Escutemo-lo!

4 – Ouvíamos na primeira leitura, tirada do Livro da Sabedoria, que a vida dos justos está nas mãos de Deus, que os pôs à prova e os achou dignos de si, pois a sua esperança estava cheia de imortalidade. O martírio foi para Jesus o ponto de chegada da sua diaconia, e também o diácono S. Sisenando deu o testemunho máximo de Cristo, vertendo o seu sangue e entregando a sua vida por Ele. Nisto conhecemos o amor: Jesus deu a sua vida por nós e nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos. Este foi o amor que S. Sisenando conheceu e praticou: imitando o Senhor, deu a vida pelos seus irmãos.

Que nos pede o Senhor? Aquilo que nos deu, aquilo que nos dá: que amemos, que não vivamos para nós mesmos, que dêmos a vida, a nossa vida, pelos irmãos. Isso é ser cristão verdadeiro, isso é ser verdadeiro mártir.

Confiados na intercessão do mártir S. Sisenando, nosso padroeiro que cheio de bondade contempla do Céu os cristãos de Beja, peçamos ao Senhor a graça de reproduzirmos em nossas vidas o verdadeiro martírio, que nos liberta da morte do egoísmo e nos faz passar para a vida: nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos e servimos os nossos irmãos.                                                                                

 

 + J. Marcos

 

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